quarta-feira, novembro 16, 2005

O pensalão

O pensalão
João Taborda da Gama


“No tempo do Cavaco e Silva é que foi...” – explica o Eng.º Monteiro, que em 1989 quando se reformou da Câmara passou a ganhar mais até do que o próprio chefe - “Nessa altura deixavam qualquer reformado deduzir ao IRS quatrocentos contos e ainda metade do excesso até mil contos. Falando em contos, dos antigos. Era muito dinheiro... ”
Era bom, mas acabou. Logo em 93, criou-se um tecto para as pensões beneficiadas (uma questão de elementar moralidade), e agora, na proposta de Orçamento, prevê-se uma descida da dedução específica e do limite a partir do qual não há qualquer dedução. Pensionistas ricos e remediados vão pagar mais imposto. Mas não tanto como deviam, ou seja, tanto como quem trabalha.
A tributação beneficiada dos pensionistas é uma originalidade caduca, injusta, tecnicamente incorrecta e demagógica.
Cá, como noutros países, ficou a dever-se, in illo tempore, ao número substancialmente menor de pensionistas e ao baixo valor das pensões. Durante muitas décadas, as pensões não foram um tipo de rendimento com que a lei fiscal se quisesse ou devesse preocupar.
Mas que sentido faz, hoje, tratar melhor o Eng.º Monteiro do que o Dr. Carlos, seu colega lá da Câmara que ainda está ao serviço? Recebem o mesmo em termos brutos, mas o Eng.º, como tem uma dedução específica maior, paga menos em termos relativos.
Não se esqueça que “dedução específica” é um conceito jurídico tributário rigoroso: é a despesa necessária à percepção de um determinado rendimento e com ele conexa. Ora, como para certas categorias é difícil encontrar essa quantia, a lei ficciona um valor, que é maior nas pensões do que no trabalho dependente. Mas devia ser igual, ou até menor. É que, ao contrário do Dr. Carlos, o Eng.º já não gasta dinheiro em gasolina a ir para a Câmara, nem nos mini-pratos ao almoço no snack Primavera. Até lhe sobeja o tempo para comprar e vender umas acções lá no banco cujo rendimento acresce ao da reforma.
Dir-se-á, então, que é por razões humanitárias. Demagogia. Se a pensão é de miséria ou o reformado entrevadinho, isso é um problema a resolver pelo sistema de solidariedade e pelo sistema fiscal apenas na medida exacta em que o faz em relação aos outros pobres e aleijados – independentemente da idade e da fonte dos rendimentos.
Resta a pior das razões: a situação tem-se mantido para caçar votos ou não os perder. Quem não gosta dos velhinhos e dos governos que os ajudam? Há males que vêm por bem: não fosse o défice, lá continuávamos todos a pagar o pensalão.

Jornal de Negócios, 16.11.2005

1 Comments:

Blogger chinha said...

Boa Joao, Nena Barreto

7:34 da tarde  

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