terça-feira, março 20, 2007

Eram seis em ponto da tarde...

Eram seis em ponto da tarde...


Há um mês, no Tribunal Central Administrativo do Norte, num caso de impostos, o magistrado do Ministério Público (MP) emitiu o seguinte despacho: “esgotando-se hoje o prazo para o MP emitir parecer e passando já das 18 horas, abstenho-me de o fazer”.
Compreende-se. Já passava das seis em ponto da tarde, aquelas terríveis seis da tarde, em que é hora de sair do Tribunal e ir para casa, deixando os processos pelas costas. Ainda para mais, processos de impostos, com números, contas, liquidações, amortizações e provisões. Livra!
Não nos precipitemos no julgamento da atitude deste magistrado (julgamento com muitas aspas, que há o princípio da irresponsabilidade das magistraturas). O surreal despacho não é o que parece: nem uma farpa aleijona no Governo, nem a coragem do pequeno funcionário que, desterrado no Norte e sem meios, diz basta ao Terreiro do Paço, nem sequer uma desajeitada boutade sindicalista.
Nada disso: este magistrado encontrou uma forma, singular é certo, de lutar contra um dos mais ilógicos anacronismos da nossa lei processual fiscal – a presença do MP nos tribunais fiscais. E, no seu jeito de linguagem de ofício, diz isso mesmo, que não devia ter de se pronunciar neste tipo de casos e que, com ou sem parecer do MP, o desfecho há-de ser o mesmo – e ainda por cima já passava das seis em ponto da tarde.
A existência de representantes do MP nos tribunais fiscais é um erro com raízes históricas longínquas numa intersticial disputa de lugares entre os ministérios das Finanças e da Justiça na reforma da justiça administrativa e fiscal de 1984.
E este fenómeno de captura de renda foi sempre justificado com o vazio das frases claras “a presença do MP nos tribunais fiscais serve para defender a legalidade e o interesse público”. Como se o contribuinte, o juiz e a fazenda defendessem a ilegalidade, ou houvesse o risco de os três montarem um arranjinho à conta do Estado, que só o olho de águia do MP impediria.
Como não há duas nem três legalidades, é de sobra o confronto da perspectiva de legalidade do contribuinte com a do fisco, dirimido pelo olhar distanciado do juiz com a sua conatural terzietà. A legalidade e o interesse público são postos na lei pelo legislador na sua escolha da mais justa repartição dos encargos tributários e devem ser respeitados por todos os participantes no processo. É assim o Estado de Direito, o mesmo Estado de Direito que também permite que um funcionário público possa não decidir quando já passa das seis em ponto da tarde.
A reforma do contencioso tributário que agora está a acontecer é uma oportunidade que não deve ser perdida de acabar, ou reduzir drasticamente, a presença do MP nos tribunais fiscais, e mesmo a sua participação em matéria falimentar. Tornava-se o processo mais simples e libertava-se o MP para as tarefas da sua vocação. Sobretudo evitava-se aos funcionários mais zelosos a grande maçada de, quando já passa das seis em ponto da tarde, terem que emitir um parecer a dizer que não vão emitir um parecer precisamente porque já passa das seis em ponto da tarde.

EXPRESSO, 17.MAR.2007

João Taborda da Gama·

· Assistente de Direito Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa.

3 Comments:

Blogger Joana Roque Lino said...

Olá Senhor Dr.,
É pena que escreva na blogosfera com tão pouca regularidade... :). Eram necessários mais textos como este!
Da sua aluna da pós-graduação do ano passado em Fiscal na FD da UL.
Cumprimentos...

12:30 da tarde  
Blogger IN VERITAS said...

Ex.mo Dr
cheguei ao seu nome por via dos submarinos...eh! eh! e a este blog por via do nome de sua ex.ma mãe e seu ex.mo pai...

desconhecia por completo a sua obra, e é claro a sua existência...

se me permite vou lincar este seu blog aos meus...

cumprimentos solidários

2:08 da manhã  
Blogger chinha said...

É pena ja não escreveres

7:37 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home